Crónicas

Onde Crescem os Livros?…..

CRÓNICA DE CALGARY (VIA TERRAS DO CAIMA)

Por ironia, a primeira crónica de Calgary é oriunda de Portugal onde me encontro a matar saudades. (Como se porventura as saudades pudessem ser aniquiladas para não mais nos inquietar.)

Aproveitei esta viagem para visitar a minha primeira biblioteca e reacender memórias dos princípios dos anos setenta. A biblioteca Ferreira de Castro, em Ossela, terra berço de meu pai, está situada no concelho de Oliveira de Azeméis. Na minha meninice a biblioteca era paragem obrigatória na viagem de regresso a Vale de Cambra, no vale adjacente, a seis km de distância, e após a visita semanal aos avós paternos; (assim como uma breve paragem para colher agriões silvestres num lameiro vizinho e, quando em estação, morangos e amoras pelo caminho).

Recordo-me da primeira visita à biblioteca.

Ao entrar pelo edifício ainda com o exterior em fase de acabamento, o formigueiro na pele reflectia a excitação pela promessa mítica de uma instituição das grandes cidades finalmente chegada à aldeia com o lustro e a imponência de um edifício fresco. A própria palavra biblioteca antevia algo erudito, raro e fascinante. No seu interior encontravam-se diversas estantes metálicas dispersas por quatro cantos e ainda em processo de montagem. Ao entrar na sala da colecção recordo-me do eco do silêncio, o que até então só lembrava o da igreja, lugar de veneração. A luz era ténue e escoava da sala vizinha. Livros cresciam das estantes em números nunca dantes imaginados. A abundância de cores inundava os sentidos. O sabor do papel povoava o ar. A água crescia na boca.

O piso superior albergava uma exposição permanente sobre o recentemente falecido Ferreira de Castro. As memórias de livros em expositores de vidro, como de borboletas exóticas se tratassem, sobrevivem. Edições em inúmeras línguas indecifráveis, desde as escandinavas até às dos países de leste.

Os primeiros livros que me acompanhariam à saída seriam os da escritora britânica Enid Blyton, da série dos Famosos Cinco. No bolso dos calções alojava-se um orgulhoso cartão de utente e que se a memória não me trai residia na meia centena. A veneração pelos livros amadureceu nessas visitas, no refugio desse silêncio. Essas sementes germinaram no breu de uma sala que hoje me parece minúscula mas que de forma miraculosa me abriria as portas do mundo.

 

 

©paulodacosta

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