Português

  • Ensaio

    A Música da Tradução

    A Música da Tradução   Cada texto em particular exige que o tradutor sintonize as suas necessidades. As necessidades são variadas e complexas em qualquer transposição de uma língua, de uma cultura para outra. Aqui irei concentrar-me na análise das necessidades musicais de um texto específico. Do poético ao técnico, e em graus variáveis, cada texto vai exigir escalas variadas de atenção para facilitar o fluxo da linguagem. Para conseguir isso, um tradutor deve ser um ouvinte atento e também capaz de escutar a música nas palavras. O que diz o texto e o que perpassa do texto? Será que a ordem de notas chega a todos os ouvidos em…

  • Ensaio

    tradução de texto, tradução do eu

      tradução de texto, tradução do eu   Imagine-me diante de um espelho, a conversar, a discutir. Peço clarificação sobre o sentido de uma palavra ou argumento a palavra mais precisa para expressar a minha experiência em duas línguas cara a cara na minha mente. Esta imagem pode evocar um indício de insanidade ao observador distraído. Por outro lado, para aqueles mais benevolentes, pode parecer um ato de contorcionismo: ioga cerebral. Este processo implica recompensas e armadilhas. O constante vaivém de línguas dentro da minha mente não está livre de colisões e tramas descuidadas. A separação não é alcançada com facilidade. Por vezes, a junção de palavras pode ser benéfica.…

  • Poesia

    calcanhar de aquiles

                (animus) onde a mãe te segurou sob a água em movimento a flecha penetra convida-te a ajoelhar a sangrar desse lugar mortal que a sua mão não soltou   (…)   excerto                         ©paulodacosta de:  notas de rodapé,  LPD 2012 Livro ou ebook vendido pelas Livrarias da Amazon nos EUA GB Espanha Alemanha

  • Poesia

    o rodopio da wiebke

      o rodopio da wiebke à W.L.   paragem de autocarro, filas austeras, a tua dança principia, o sol transborda dos vidros do colete, ancorados à bainha, os búzios chocalham     o cimento não vacila sob pés descalços a criança destemida aproxima-se, admira os anéis, a saia de corvo a esvoaçar o resplendor de folhos dourados     no autocarro, o teu cabelo arco-íris projecta cores, trauteias acostumada ao espaço imediato, já nem te apercebes das bocas entreabertas     sob as nuvens apodrecidas de hamburgo, ao lado de mercedes-benzes em acelarações, conversas com carecidos, prostitutas tal oráculo enviado dos céus, convidas dependência, loucura, demónios a cantar no aromático…

  • Poesia

    tão longe, tão perto

      tão longe, tão perto à B.Q. e à A.D.   o peso da tua cabeça exerce pressão no meu peito, a respiração é forçada após uma estrofe sobre “amantes que partiram um amor de porcelana rechonchudo como a baleia,” e, apesar da tua mão descansar na minha coxa moves-te como se acordasses de um sonho onde poderias ter estado com outro qualquer. todavia encorajas-me a prosseguir, há meses que peço bocas emprestadas, as minhas palavras secaram no poço dos anseios. imagino que uma palavra tece os teus sonhos, caudal que nunca secará – “não pares, adoro o sussurrar da tua voz” – a facilidade com que pronuncias o amor…

  • Poesia

    sem raízes

       sem raízes   I. plantas do pé sem raízes solidamente assentes entre árvores de unha-de-cavalo   o peso do corpo cunha a sua própria cama   aí a chuva se congregará       II. quente e macia a terra é a pele amante   que recorda o meu peso após a partida     (…) excerto                         ©paulodacosta de:  notas de rodapé,  LPD 2012 Livro ou ebook vendido pelas Livrarias da Amazon nos EUA GB Espanha Alemanha                    

  • Contos

    Um Punhado de Ilusões,

      Eu, o diabo? Nunca. O diabo não se atrevia a dedicar-se a estas canseiras, estes riscos. Eu gasto as pontas dos dedos até ao giz do osso só para agarrar clientela. Ah… não como a vida de padre, feita à medida, simplesmente a deslizar para dentro de uma batina e a esborrifar umas lufadas de incenso perfumado no altar, e de imediato as gentes correm das suas colmeias para os bancos da igreja. Padres nem se preocupam em engendrar novos milagres de valia,  amparam-se em milagres tecidos há tanto tempo que já ninguém os põem em questão. Qual é a alma viva que atesta esses milagres de seus próprios…

  • Contos

    O Perfume da Mentira

    Nunca tivemos má fé contra a Camila Penca. Simplesmente rezámos pelo regresso do sossego e da harmonia à aldeia e, graças a Deus, as nossas preces foram ouvidas. Camila nasceu de boa gente, na nossa respeitada aldeia, anichada entre os dentes aguçados do penhasco da Baía da Boca do Inferno. Uma aldeia ainda de pé, com orgulho e oposição, após séculos de ira Atlântica. Camila cresceu no seu próprio mundo, subia e descia o escarpado colecionando penas de gaivota, chapinhava nos lagos de maré baixa, depenando os ouriços-do-mar, bem-me-quer, mal-me-quer, depois com as primeiras ondas da puberdade, ama-me, não me ama. Alguns dizem que Camila sempre mostrara inclinação para criar…

  • Ensaio

    Na Lavra da Palavra

    (excerto) paulo da costa   Um dos intervenientes num encontro de escritores no qual participei pediu desculpas por se encontrar num palco, onde como escritor era objecto de reconhecimento e distinção, enquanto a audiência se encontrava  segregada e anónima na plateia. A pessoa expressou o seu desencanto pela situação, alegando que não deveria existir distinção entre os escritores e o público uma vez que “toda a gente pode escrever.” Deste modo perpetuava-se a artificial superioridade burguesa das artes sobre o cidadão. “Somos todos iguais e não existe necessidade de se criar esta classe demarcada de escritor uma vez que qualquer um de vocês pode escrever e poderia aqui estar nesta…

  • Recensões

    Sobre: The Scent of a Lie

    SOBRE THE SCENT OF A LIE, DE PAULO DA COSTA Vamberto Freitas paulo da costa, nascido em Angola e criado até à adolescência na Beira Litoral, reside desde 1989 na costa oeste do Canadá, em Alberta e Calgary. O seu livro, The Scent of a Lie, apresenta-nos um caso pouco habitual entre nós: um imigrante a escrever em inglês, quando podia muito bem ter optado pela sua língua natal. Caso semelhante, mas de perfil algo diferente, foi o de Alfred Lewis, na Califórnia (falecido em 1977), autor do romance Home is an Island, e outra ficção e poesia. Numa recente entrevista à página literária (da net) luso-canadiana Satúrnia, Paulo explica…