Português
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Satúrnia
ENTREVISTA A PAULO DA COSTA Paulo da Costa é autor do livro “The Scent of a Lie” Depois de conceder esta entrevista, foi galardoado com o prestigioso “Commonwealth Writers Prize 2003 (Best first book)-Caribbean & Canada Region” Satúrnia – Em primeiro lugar gostaria que nos falasse um pouco de si, pois está um pouco arredio daquilo a que se chama a Comunidade Luso-Canadiana. Quem é, como veio parar ao Canadá, o que o faz escrever? Paulo da Costa – Nasci em Luanda, Angola e aos cinco anos de idade os meus pais regressaram a Portugal. Vivi a minha meninice e adolescência em Vale de Cambra, na Beira Litoral. Naquela época,…
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ser português
ser português é nascer com o fado ao pescoço viver de olhos ancorados ao alto mar, ansiar pela maré de partir ou pela onda do regresso viver enlatado entre mar e espanha exportar sardinhas ir à missa e esquecer o sermão é confessar-se a amigos de garrafa na mão é não fazer ondas bastam as que revoluteiam no mar rezar pela paz admirar fátima e batalha na mesma santa visita ser português é amar o carro mais que a si próprio é bastante mais em conta ser português é partir para o estrangeiro josé e regressar joe ser pequeno…
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A Música da Tradução
A Música da Tradução Cada texto em particular exige que o tradutor sintonize as suas necessidades. As necessidades são variadas e complexas em qualquer transposição de uma língua, de uma cultura para outra. Aqui irei concentrar-me na análise das necessidades musicais de um texto específico. Do poético ao técnico, e em graus variáveis, cada texto vai exigir escalas variadas de atenção para facilitar o fluxo da linguagem. Para conseguir isso, um tradutor deve ser um ouvinte atento e também capaz de escutar a música nas palavras. O que diz o texto e o que perpassa do texto? Será que a ordem de notas chega a todos os ouvidos em…
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tradução de texto, tradução do eu
tradução de texto, tradução do eu Imagine-me diante de um espelho, a conversar, a discutir. Peço clarificação sobre o sentido de uma palavra ou argumento a palavra mais precisa para expressar a minha experiência em duas línguas cara a cara na minha mente. Esta imagem pode evocar um indício de insanidade ao observador distraído. Por outro lado, para aqueles mais benevolentes, pode parecer um ato de contorcionismo: ioga cerebral. Este processo implica recompensas e armadilhas. O constante vaivém de línguas dentro da minha mente não está livre de colisões e tramas descuidadas. A separação não é alcançada com facilidade. Por vezes, a junção de palavras pode ser benéfica.…
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calcanhar de aquiles
(animus) onde a mãe te segurou sob a água em movimento a flecha penetra convida-te a ajoelhar a sangrar desse lugar mortal que a sua mão não soltou (…) excerto ©paulodacosta de: notas de rodapé, LPD 2012 Livro ou ebook vendido pelas Livrarias da Amazon nos EUA GB Espanha Alemanha
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o rodopio da wiebke
o rodopio da wiebke à W.L. paragem de autocarro, filas austeras, a tua dança principia, o sol transborda dos vidros do colete, ancorados à bainha, os búzios chocalham o cimento não vacila sob pés descalços a criança destemida aproxima-se, admira os anéis, a saia de corvo a esvoaçar o resplendor de folhos dourados no autocarro, o teu cabelo arco-íris projecta cores, trauteias acostumada ao espaço imediato, já nem te apercebes das bocas entreabertas sob as nuvens apodrecidas de hamburgo, ao lado de mercedes-benzes em acelarações, conversas com carecidos, prostitutas tal oráculo enviado dos céus, convidas dependência, loucura, demónios a cantar no aromático…
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tão longe, tão perto
tão longe, tão perto à B.Q. e à A.D. o peso da tua cabeça exerce pressão no meu peito, a respiração é forçada após uma estrofe sobre “amantes que partiram um amor de porcelana rechonchudo como a baleia,” e, apesar da tua mão descansar na minha coxa moves-te como se acordasses de um sonho onde poderias ter estado com outro qualquer. todavia encorajas-me a prosseguir, há meses que peço bocas emprestadas, as minhas palavras secaram no poço dos anseios. imagino que uma palavra tece os teus sonhos, caudal que nunca secará – “não pares, adoro o sussurrar da tua voz” – a facilidade com que pronuncias o amor…
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sem raízes
sem raízes I. plantas do pé sem raízes solidamente assentes entre árvores de unha-de-cavalo o peso do corpo cunha a sua própria cama aí a chuva se congregará II. quente e macia a terra é a pele amante que recorda o meu peso após a partida (…) excerto ©paulodacosta de: notas de rodapé, LPD 2012 Livro ou ebook vendido pelas Livrarias da Amazon nos EUA GB Espanha Alemanha
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Um Punhado de Ilusões,
Eu, o diabo? Nunca. O diabo não se atrevia a dedicar-se a estas canseiras, estes riscos. Eu gasto as pontas dos dedos até ao giz do osso só para agarrar clientela. Ah… não como a vida de padre, feita à medida, simplesmente a deslizar para dentro de uma batina e a esborrifar umas lufadas de incenso perfumado no altar, e de imediato as gentes correm das suas colmeias para os bancos da igreja. Padres nem se preocupam em engendrar novos milagres de valia, amparam-se em milagres tecidos há tanto tempo que já ninguém os põem em questão. Qual é a alma viva que atesta esses milagres de seus próprios…
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O Perfume da Mentira
Nunca tivemos má fé contra a Camila Penca. Simplesmente rezámos pelo regresso do sossego e da harmonia à aldeia e, graças a Deus, as nossas preces foram ouvidas. Camila nasceu de boa gente, na nossa respeitada aldeia, anichada entre os dentes aguçados do penhasco da Baía da Boca do Inferno. Uma aldeia ainda de pé, com orgulho e oposição, após séculos de ira Atlântica. Camila cresceu no seu próprio mundo, subia e descia o escarpado colecionando penas de gaivota, chapinhava nos lagos de maré baixa, depenando os ouriços-do-mar, bem-me-quer, mal-me-quer, depois com as primeiras ondas da puberdade, ama-me, não me ama. Alguns dizem que Camila sempre mostrara inclinação para criar…








