Português
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Weyman Chan – dois poemas
A RELIGIÃO DA CAPITULAÇAO Weyman Chan XVI. Fui arrastado de encontro ao mistério das marés, invisíveis magnetismos e corpos que não se sabem entregar. É fácil esquecer as razões entrelaçadas que nos tecem da poeira, para depois nos ameaçar de ser esmagados de regresso à poeira, e por isso tenho simplesmente desejado observar o brilho em redor da tua face, a qual possui as suas próprias razões para aqui me prender. Quis que a luminosidade no teu rosto entrasse no meu como se alguém, para além de Deus, nos tivesse criado de novo, piscando o olho à conspiração reles deste leito e à tua pele…
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rajinderpal s. pal – dois poemas
superfície rajinderpal s. pal enquadrados na porta dos fundos num aguaceiro relâmpagos erráticos revelam os seus corpos ambos desejam ser transformados desejam biselar o espaço reduzido deslizar de encontro ao outro tolerar o silêncio e comunicar numa nova língua vê-se um primeiro plano de gotas de chuva embatendo com força no terraço de madeira seguindo-se outro de pingos a salpicar até aos tornozelos e um primeiro plano de um braço e uma perna uma superfície macia a dilatar-se eles exauriram as suas histórias as que restam – ainda não estão preparados para partilhar o carvão activo na bisnaga na boca do irmão …
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Agnes Walsh – dois poemas
Agnes Walsh nasceu em Placentia, Terra Nova, Canadá, em 1950. Poetisa e dramaturga, é autora de dois livros de poesia: In the Old Country of My Heart (1996), Going Around with Bachelors (2007). Viajou extensamente no Canadá, Estados Unidos, Portugal e Irlanda. Alguns dos seus poemas estão traduzidos em português por paulo da costa. Al-Gharb É uma noite índigo e recheada com o aroma de flores mornas, um manto de cheiro pelo ar da noite que desliza sob a minha língua, para o teu cabelo. Subimos a calçada de pedras polidas para o centro de Silves, velha capital mourisca de Al-Gharb, e a noite embrulha, envolve, transporta-nos para…
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Shane Rhodes – dois poemas
Alegação Shane Rhodes Eu imagino o meu pai um deus cinzento que imaginava a sua sede como um músculo que endurecia e descontraía pela força da vontade era um falhado alquimista transformando vinho em sangue o ilusionista que serrou, um por um a sua família em dois o carpinteiro que desmantelou a sua casa o bêbado que não conseguia foder Eu imagino que o meu pai era o traço um cálice do k-mart a vazar rum era a navalha da intriga atravessando a família anestesiada era aquele que extraía lágrimas da multidão como uma bomba estomacal o homem que na cave bebeu e vomitou durante dois meses e depois…
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Joelene Heathcote – poema
Joelene Heathcote nasceu em 1975 e reside em Victoria, na Colômbia Britânica, Canadá. Premiada pela sua ficção e poesia, é considerada como uma das novas promessas da literatura canadiana. O seu primeiro livro, de 2002, intitula-se What is between us can’t be heard. Em 2008 publicou Inherit the Earth. Cena da Segunda Guerra Mundial Verão, começa aí numa dessas importantes datas do século vinte não te esqueças de fechar os olhos. A manhã é ideal porque ainda retém o sonho lentamente como as tartarugas na praia, os teus companheiros – alguns tombados de barriga para o ar. Observa a forma como são despojados das rações – permanece rasteiro.…
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As Borboletas de Prudêncio Casmurro
Prudêncio Casmurro não era um homem qualquer. Enterrou os pais, sete mulheres e o último de vinte e dois filhos, revelando sempre pouca ânsia em partir deste mundo. Testemunhou carros de bois a serem substituídos por tractores e tractores a serem substituídos por ceifeiras monstras. Do quarto, espreitava sobre o muro do quintal. Espreitava o mundo que rodopiava cada vez mais loucamente, o mundo que brilhava e rangia os dentes mais ferozmente, a imensa cintilação dificultando-lhe a diferenciação entre a noite e o dia. Com teimosia de burro prosseguia com a sua vida. Era como se fossem ventos passageiros a bater-lhe à janela e aos quais ele fechava as cortinas…
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Rosas, Lírios e Crisântemos
paulo da costa Num fim de tarde arruivado, caminhando pelo olival, Manuel Sabetudo anteviu a sua morte e o corpo estremeceu como uma oliveira varejada, derramando a última azeitona. Manuel perdeu o dom da palavra, sobrevivendo esse verão fatídico, acocorado na margem do rio Caima, seguindo as águas cristalinas a deambular pelo verdejante vale até desaparecerem de vista. Manuel Sabetudo revivia o acidente na sua mente, ajoelhando-se ao corpo, fechando-lhe os olhos, seguindo o cortejo até casa onde depositaram o cadáver, depois ajudando-os a despir as roupas rasgadas e a banhar-se, corando, pois era um homem pudico. No banho, os dedos do Manuel contornavam pisaduras do tamanho de pântanos que…
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No Limiar de um Século…
CRÓNICAS DE CALGARY O DESPERTAR DE UMA CULTURA REJUVESNESCIDA Portugal, após viver grande parte do século XX em entorpecido isolamento e enclausurado puritanismo cultural, parece presentemente despertar o interesse de outros povos, através da sua cultura, Língua, e principalmente através da vitalidade das renovadas heranças da lusofonia disseminadas pelo mundo. A língua e cultura lusitanas, nas suas recentes mesclagens com África, América do Sul, e de um modo mais ténue com a Ásia e a Oceânia – não esquecendo as sementes da diáspora povoando os recantos do mundo – evidenciam, após longo interregno, um enérgico desabrochar . Na semana que antecedeu o Natal, a CKUA (1927) – emissora pública de…
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Onde Crescem os Livros?…..
CRÓNICA DE CALGARY (VIA TERRAS DO CAIMA) Por ironia, a primeira crónica de Calgary é oriunda de Portugal onde me encontro a matar saudades. (Como se porventura as saudades pudessem ser aniquiladas para não mais nos inquietar.) Aproveitei esta viagem para visitar a minha primeira biblioteca e reacender memórias dos princípios dos anos setenta. A biblioteca Ferreira de Castro, em Ossela, terra berço de meu pai, está situada no concelho de Oliveira de Azeméis. Na minha meninice a biblioteca era paragem obrigatória na viagem de regresso a Vale de Cambra, no vale adjacente, a seis km de distância, e após a visita semanal aos avós paternos; (assim como uma breve…
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Voz do Caima
É português, escritor, radicado no Canadá. No nº 4 de VOZ DO CAIMA foi apresentado aos nossos leitores, assim como o seu conto “Rosas, Lírios e Crisântemos” Aproveitando uma curta estadia em Terras do Caima, Paulo Costa concedeu-nos a entrevista que a seguir transcrevemos. Carlos Moura (C.M.) Começando pelas raizes, o Paulo Costa nasceu em Angola e veio viver a infância em Vale de Cambra. Fixou-se, entretanto, no Canadá. Tem saudades de Vale de Cambra? Paulo Costa (P.C.) Sim, de Vale de Cambra dos anos 70, um Vale de Cambra bucólico em que o Caima serpenteava ainda verde e límpido. Lembro-me dos meus anos de criança…